tea fucking time
quando a minha imagem desaparecesse de todas as fotografias que já foram tiradas de mim, você também reapareceria. e me pergunto o motivo: seria para pegar de volta aquele caderno de capa escura que eu peguei emprestado, antes da enchente levar os móveis? talvez. mas você teria ligado antes, ou mandado uma carta. da última vez, não fora tão simples: tive que atravessar uma pequena floresta para conseguir alcançar a caixa de correio. por entre a folhagem, seu rosto coberto por penas e pétalas de alguma flor desconhecida me fitava com desconfiança. ou medo. sem dizer nada, comecei a subir em uma árvore mais alta do que a do jardim, aquele mesmo onde a mulher com um grande chapeu e vestido amarelos pareceu prever o meu futuro. ela havia encontrado a carta, sim, e desaparecido em seguida enquanto sorvia goles enormes de chá quente, derramando-o sobre xícaras de porcelana pintada e também sobre os talheres que jaziam em cima das mesinhas. a festa do chá, o velório, o casamento ou qualquer outro evento que havia sido realizado ali não tinha chamado a atenção da mulher, que nem sequer experimentou as madeleines em formato de pássaro colocadas em cima de sua bolsa, que também era amarela. voa, você diria, voa bem longe e espalha essas penas em outros lugares, diferentes desse, que não tenham tanta gente sujando a louça e fazendo estardalhaço com uma simples xícara de chá nas mãos e cobertura de bolo mole entre os dentes. ninguém queria nos ver naquele jardim, e eu também evitei o seu olhar. a mulher havia sumido, a floresta, e tudo se resumia a uma fotografia borrada: alguém havia derramado chá, café ou alguma calda negra e espessa, semelhante a um lodo formado em pântanos, em cima do meu meio sorriso desfocado na foto.
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