terça-feira, 16 de agosto de 2016

22 meses e uns quebrados

todos aqueles sonetos empilhados e ele ali, dormindo desde as 3h da tarde do dia anterior.
lembro que a última coisa que fizemos antes daquele cochilo interminável, fora uma lista de todas as coisas que poderiam acontecer (e aconteceriam de fato) nos próximos vinte e dois meses em que estaríamos na companhia um do outro:

no primeiro mês, teríamos uma festa de aniversário. de um cachorro, uma lagartixa ou de um velho caderno com receitas de bolo escritas à lápis.

no segundo, eu lhe compraria uma bomba de chocolate e explodiria (um pouco mais da) metade dela dentro da minha boca.

no terceiro, eu diria bom dia, e você boa noite.

no quarto, um relâmpago me acordaria às 4 da manhã, e eu colocaria as pernas em cima do seu tronco.

no oitavo, seus sapatos de verniz azul estariam com as solas bem gastas, e eu os levaria em um sapateiro para trocá-las. (você diria obrigado, e os doaria para caridade no dia seguinte).

no décimo primeiro, quebraríamos várias louças da cozinha. também ouviríamos o interfone tocar, em silêncio, enquanto dormiríamos no escuro assistindo documentários de guerra.

no décimo sexto, você diria que não aguentava, não aguentava. minha mala estaria pronta, e eu acordaria no dia seguinte pronto para sair de uma vez por todas.

no décimo sexto e um dia, você se arrependeria, e ligaria uma, duas, sete vezes para o meu celular e deixaria um recado com algum poema da sylvia plath (seria um sinal?).

no décimo nono, voltei. e me arrependeria assim que visse sua escova de dentes úmida, desprotegida, mergulhada em um copo plástico embolorado.

no vigésimo, eu já não diria mais boa noite. nem você bom dia.

no vigésimo segundo, finalmente regaria o vaso que comprara alguns dias antes. em seguida, tomaria café em um copo, e deixaria ele sujo de propósito em cima da bancada da cozinha.

"fecha a porta direito ao sair", você diria.

e saí. sem sequer olhar para trás.

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um zero e dois pensamentos © 2013.
textos autorais de Felipe Fernandes. design: Diogo Machado.

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