sexta-feira, 6 de setembro de 2013

hello hello. c-can you hear me?


procurei fixar na memória alguns detalhes que me prendiam a atenção, de uma forma mais ou menos hipnótica: "a insustentável leveza do ser" descansando em uma prateleira, um calendário estagnado no mês de fevereiro, um cinzeiro em forma de pneu, papeis de diversos formatos forrando cantos da parede: fotos de modelos, gravuras, textos rabiscados. um móbile com nuvens e gotas de feltro, um teclado de brinquedo. essa atmosfera lúdica seria um truque? pois não consigo me concentrar totalmente em um só detalhe: tudo acaba se misturando, se diluindo, se enfileirando em quadrados, cubos e esferas que sempre explodem ou desaparecem no final. pó de giz, restos de lápis de cor, carteiras de couro velhas. coisas que lembrarão você sem de fato estarem aí, no meio dos lençois que cobrem a bagunça do colchão. deitaremos neles, enrolados em fiapos de lã verde, cochichando melodias já desgastadas, insignificantes. violência, essa é a palavra que sinto infiltrar-se na minha boca. o gosto de cigarro amanhecido, o cheiro de bexiga em meus dedos, que tinham acabado de emaranhar os cabelos do topo da sua cabeça. e o escuro, a penumbra, o breu incontestável. que tipo de imagem eu guardaria, como na música da tiê, dentro de um embrulho pra chamar de minha? minha, nem sei se é minha de verdade. você parece escapar por todas as brechas estreitas, pelo beiral da janela branca empoeirada. os aneis enfiados nos seus dedos me machucariam, você pareceu balbuciar minutos antes, naquela primeira e penúltima vez. sim, porque a última vez efetivamente chegará, e não haverão aviões de papel, submarinos de plástico, bicicletas em miniatura que poderão nos levar para longe do fim. pois é ele, meu caro, que me faz tremer à noite, durante as primeiras garfadas da sobremesa do jantar (quando se lembram de servi-la). quero girar em um roda-gigante imensa, olhar pra você lá embaixo e sentir seus olhos apontados pra mim, como duas navalhas cheias de sangue falso de groselha. milkshake, gim tônica, suco de grapefruit. e entre um drink e outro, uma volta e um giro, um abraço e um roçar entre nossos óculos, o momento que nunca termina, ziguezagueando na tela como uma mosca insistente, uma mariposa queimada pela lâmpada quente do abajur. o disco para e volta sempre na mesma reentrância de antes, gravada no vinil. os créditos sobem, "the end" aparece em times new roman branca tamanho 16 e você se vira na cama. gravo esse último pedaço em uma fita vhs e fico rebobinando, repetindo, merry-go-round, carrossel descontrolado, você se virando e eu tentando dormir. fecho os olhos e continuo te vendo, assim como o próprio carrossel, os móbiles e os xilofones de brinquedo...tudo se desconecta e é o fim que se afasta, se aproxima.

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